O Teixeira

O Pe. Tomás, a jeito de merceeiro que lembra o cliente para o calote que se arrasta, tem reiterado no final das missas a necessidade de mordomos para a festa de Santa Marta. É certo que ainda falta tempo para o início de Agosto, mas convém que alguém apareça. Mas não tem aparecido. Desleixada a nomeação pelos moldes tradicionais, a que os homens de Pardela aceitavam com mais ou menos resignação, é agora um cabo dos trabalhos arregimentar gente que faça o peditório pela freguesia, monte barracas de venda de sardinhas e bifanas, contrate a banda de música, mesmo sabendo-se que, como de costume, há-se ser a do Vale de Cima, e tudo o mais que envolve a festa da aldeia, resumido a uma carga de trabalhos e canseira. Por isso é velho e acertado o ditado de que “quem quer a festa sua-lhe a testa”.

Ora nestes reptos semanais do bom sacerdote, a modos de um segundo sermão, ao Teixeira, homem de brios no que toca a coisas do seu torrão natal, já lhe deu vontades de aparecer a dar o seu nome, que contassem com ele, mas no dia seguinte, virando-se o vento, conclui que será melhor não se dar como oferecido, que nunca ninguém deu o devido valor ao que se apresenta como dado e arregaçado. Afinal de contas, tinha já, na sua vez e no devido tempo, tomado parte em todas as danças e andanças da freguesia. Fora presidente a Junta, da Associação dos Baldios, Juiz da Cruz, mordomo das festas de Santa Marta, S. João e Senhora da Conceição. E nalgumas por várias vezes. Já percorrera, aos domingos de manhã cedo, dezenas de vezes os caminhos e becos da freguesia a  fazer peditórios, despertando os fregueses ainda no choco, sendo despedido quase sempre com o saco pouco mais que vazio mas com as orelhas cheias de sermões e resmunguices: - Vão lá à vossa vida que no dia eu apareço e dou a minha oferta! - berravam de dentro dos casarios.

É certo que o povo de Pardela lá acabava por dar alguma coisa e a maior parte no próprio dia da festa, e as contas sempre se saldavam, mas o Teixeira cansara-se já dessas missões. Para se convencer, remoía consigo mesmo a ideia de que já não tinha nenhuma obrigação moral e social para com a freguesia. Que dessem um passo em frente os mais novos, cheios de força, que ainda nada fizeram pelo bem público e mantimento das tradições pardelenses. Ademais, ele ainda trabalhava na serralharia do Antunes, tinha horários a cumprir e uma casa para sustentar. Havia na Pardela já muitos reformados, algunds viuvos, mais ou menos equilibrados na vida e com muita disponibilidade. Bem os via, ociosos, na tasca do Tamancas ou a darem caminhadas pelos bosques de Pardela e lugares vizinhos. Que avançassem.

Numa aparente decisão comum tomada por alguns “teixeiras” de Pardela, o Pe. Tomás continuou por mais algumas semanas a escarafunchar na ferida da falta de mordomos e mesmo que ao fim de algumas semanas adiantasse que já havia um voluntário, a coisa não parece ter incentivado os demais três necessários à comissão de festas. Quando muito arrebitou a curiosidade de se saber quem teria sido o engraçado.

O Teixeira, espicaçado já por haver um voluntário, quase arrependido de não ter sido ele o primeiro a aparecer à sacristia a dar o nome, voltou a ser tentado pelo seu voluntarismo, mas quando soube que era o Zé Esteves o tal, relembrados os velhos desaguisados com o seu vizinho, esmoreceu e comentou com a sua Fernanda: - Pois, por mim, que faça a festa sozinho! Com ele não! Ainda por cima por ter sido o primeiro a oferecer-se há querer ser o juiz!  Pois que seja! 

Não sabemos como acabou a história e se a comissão de festas foi formada, se o Teixeira sempre reconsiderou acompanhar o Esteves,  ou mesmo se a festa se fez como sempre se fez. Mas talvez se tenha feito, porque o povo de Pardela é como muito outro por aquelas regiões da Beira, quando o fogo se aproxima do redil toda a gente se arregimenta para o combater num vai-e-vem concertado. Há-de, pois, ser assim, como num desígnio maior, com a festa em honra de Santa Marta, padroeira de Pardela.

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