O Hipólito que não é hipócrita

O ano de 2012 aproximava-se do seu fim, como um corredor de maratona nos quilómetros finais, arrastado, desgastado, apenas como força motivadora o desejo de ver e transpor o portão grande do estádio para depois da última volta se deixar cair num entorpecimento que pode ser de vitória ou de derrota. Mas este 2012, desde cedo atacado pela “dor de burro” é seguramente um maratonista derrotada e qual péssimo estafeta, entregou tarde e a más horas o testemunho ao 2013 e por isso ainda que agora começado, este já está fatalmente atrasado. Nem mesmo o ministro Gaspar, uma espécie de Mourinho da técnica da maratona, consegue dar a volta a este desfecho por mais que nos diga que sim.

O Hipólito, gajo alérgico a paninhos quentes e a fazes-de-contas desde que na festinha do Natal de 1951 o puseram a fazer de Menino Jesus no teatrinho da paróquia, já andava há meses a apregoar este desfecho e foi por isso que, sem paciência para “…tanta filha-da-putice” se enfiou na cama ainda não eram onze horas da última noite. Ainda tentou prolongar o “jogo” como um Calheiros que em cima da hora inventa um empate com um penalty manhoso, mesmo daqueles fora da grande-área, mas não aguentou mais. A pouca família que na casa se juntara, encheu a mesa de “merdas” de engordar até as orelhas, e numa balbúrdia entorpecida por “flutes” de champagne da Bairrada” e tinto do Cartaxo ía ouvindo música do rei do pimba agora laureado com a “canção do ano”. Na televisão eram os mesmos pingarelhos do costume: O Herman e companhia, na RTP1, a tipa de S. João da Madeira com os lábios grossos, mas agora mirrados de velhice”, na SIC, a encher chouriços com uns palhaços armados em dançarinos e na TVI a mesma badalhoquice em que uma gorda de queixo saliente, enfaixada num vestido tamanho XXXL a esticar ao máximo o suspense do palerma que havia de ganhar um lixo televisivo chamado Casa dos Segredos onde milhões de portugueses típicos assistem durante 24 horas à vidinha de uma dúzia de portugueses típicos. Por outro lado, ir até ao bar da esquina onde por 19 euros por cabeça se anunciava um fartote de merdas de comer e beber e uma noite “sempre a bombar”, ficou fora de questão porque os tempos não são de dar pérolas a porcos e não se estava a ver a dançar ao som do kuduro num ambiente de sovacos encharcados. Não!
Era areia demais para a camioneta do Hipólito, que não é hipócrita, pelo que com uma rabanada de vinho a amaciar a boca, meteu-se na cama em 2012 para só acordar em 2013. Nem deu conta da patroa ter vindo para a cama e isso pouco o incomodou porque foi da maneira que lá pela última das 24 badaladas, a sonhar é claro, terá dado um valente peidaço, ainda com aroma de rabanada quente, que ao levantar-se, a Rosália já a rabiar na cozinha, tinha a janela do quarto aberta para trás e o ambientador ligado à ficha.
O Hipólito levantou-se no quarto frio, é verdade, mas com um sorriso matreiro, só seu, porque no fundo, sentenciava para consigo, “- Que grande peido! Caguei-me para a passagem de ano!”.

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